uma carta que dissesse
deste anseio de te ver
deste receio de te perder
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...
Eu queria escrever-te uma cartaamor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como maconguedos
teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...
Eu queria escrever-te uma carta amor,
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura da nossa paixão
e a amargura da nossa separação.
Eu queria escrever-te uma carta amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kiesa
que a relesses sem a frieza do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...
Eu queria escrever-te uma carta amor,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros , que as hienas e palancas , que os jacarés e bagares
pudessem entender
para que se o vento a perdesse no caminho ,
os bichos e plantas compadecidos do nosso
pungente sofrer
canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes , as palavras ardentes , as palavras magoadas
da minha carta
que eu queria escrever-te amor.
Eu queria escrever-te uma carta
...Mas, ah , meu amor, eu não sei compreender por que é , porque é , meu bem
que tu não sabes ler
e
eu - oh, desespero - não sei escrever , também !
António Jacinto
Absolutamente lindo